Havia um servidor do TRE maníaco por limpeza e organização. Sua mesa era um primor. Nada obstante, era daqueles funcionários que só vinham trabalhar quando queriam. Eram tipos não muito raros na década de 70. Este era tão meticuloso que até a faxineira era proibida de limpar sua carteira, só para que não tivesse a possibilidade de desarrumá-la.
Quis o destino que, na mesma seção, houvesse um outro colega de filosofia hippie, seu oposto: desorganizado e assíduo. Este último acostumou-se a almoçar na mesa do outro, uma vez que esta encontráva-se quase sempre desocupada. E não era só isso. Seu almoço envolvia todo um ritual: enfeitava a carteira com um vaso de planta "comigo ninguém pode", acendia um incenso, usava as gavetas como apoio para os pratos e acompanhamentos tipo farinha.
Certo dia, eis que chega para trabalhar o marajá. O colega hippie, que acabara de arrumar sua mesa de almoço, havia sido chamado às pressas na Diretoria. Diante do quadro, não teve dúvidas: estavam fazendo "mandinga" contra ele: o peixe, que seria o almoço do colega, teve certeza de que era um ebó; a planta "comigo ninguém pode", era parte do despacho; o incenso, defumador; a farinha, pó de mico. Tremenda confusão, explicações não aceitas, quase foi aberto inquérito administrativo. O hippie foi transferido de seção e passou a comer de quentinha.
* Baseado em fato relatado pela servidora aposentada Diva Maria Moura de Oliveira
Fim de semana exaustivo de trabalho, três colegas fecham o depósito das urnas eletrônicas em um pólo no interior do Estado e entram no carro com destino ao hotel. Duzentos metros adiante, a gritaria na rua: “Pára, para”. Pararam. Carro da polícia atrás, sirenes ligadas, intermitente iluminando os rostos curiosos em redor.
- Mãos na cabeça!
- Calma, meu amigo, nós somos servidores do TRE.
- São o quê?
- Trabalhamos no TRE. O que está havendo?
- Estamos no encalço de Elias Maluco.
- O traficante?
- Ele mesmo. Documentos!
- Peraí.
- Mãos pra cima, rapaz!
- O senhor mandou pegar os documentos.
- Deixa que suas duas colegas pegam os documentos. Você fica quietinho aí.
- Mas o Elias Maluco não tá no Rio de Janeiro?
- Ele fugiu da penitenciária, rapaz. E soubemos que está aqui nesta região. Chega de perguntas.
- Moço, mas o Elias Maluco se parece com nosso colega aqui?
- Todo mundo é suspeito, todo mundo é suspeito. Além do mais, o carro é de fora e ficou o dia todo parado ali no beco da toca.
- É que o pólo é ali.
- Que pólo, minha senhora? Não tem isso aqui na cidade, não.
- Olha, moço, nosso documentos estão aqui. Vou pegar os do colega no bolso dele. Mas, tenha calma, ninguém aqui é bandido.
- Sei não, sei não.
Devidamente identificados e liberados, mal conseguiram dormir.
Dia seguinte, relataram o fato ao juiz eleitoral, que convocou o comandante da Polícia Militar para uma reunião. A partir de então, os policiais que fizeram a abordagem passaram a fazer a segurança do pólo. Sempre que entrava e saía, nosso colega não resistia e lhes dirigia um cumprimento bem humorado:
- Diga aí, maluco!
* Baseado em fato relatado pela ex-servidora Sinara Santana dos Santos Botelho.